sábado, 2 de março de 2013

Análise: Fissura no papado expõe possibilidades de renovação


RODRIGO COPPE CALDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A renúncia de Bento 16 acontece na esteira de uma história que se desdobra nos séculos passados, tendo como desfecho fundamental o Concílio Vaticano 2º (1962-5).

Muito se especula sobre os motivos que levaram à decisão. Porém não somos capazes de compreendê-los se os isolamos do contexto conturbado vivido pela igreja universal nas últimas décadas.
O ato de Ratzinger abriu, certamente, uma fissura na compreensão cristalizada do papado. Nada mal para um papa enquadrado categoricamente como "conservador".

Mas, como apontou o historiador Danielle Menozzi, não seria correto compreender o evento como "revolucionário" nem como uma possível dessacralização da figura do papa.

O conceito de "revolução", que tem seu uso inicial no campo astronômico em Copérnico, transposto para o mundo político e religioso, tem seus limites.

Sobre a possível dessacralização, uma renúncia papal não teria a força necessária para enfraquecer um símbolo religioso tão presente no imaginário católico.

Ao contrário, poderia redefinir positivamente a mística que o envolve. Só poderemos avaliar o evento profundamente a partir de uma distância temporal adequada --e isso, pensando em Igreja Católica, pode levar décadas.

Mesmo tendo em vista as posições do historiador, talvez a renúncia de Bento 16 esteja colocando a igreja um passo à frente no caminho da renovação iniciado no século passado com o concílio de João 23.
Especialmente em temas como a reforma da cúria e do papado, possibilitando uma nova arejada na organização vaticana.

A interpretação da renúncia, portanto, deve ser balizada pela história da igreja nos últimos 50 anos, com várias idas e vindas que marcam o processo de recepção das determinações conciliares e do espírito que as insinuou.

A grande interrogação de fundo continua sendo a recepção do concílio --matéria que foi objeto de inúmeros posicionamentos de Joseph Ratzinger durante seu papado e centro de rusgas e controvérsias hermenêuticas entre historiadores, teólogos e os posicionamentos de Roma.

De que forma a renúncia se enquadra na conjuntura conturbada da recepção do Concílio Vaticano 2º? Esta é a pergunta dos historiadores. De hoje e do futuro.
RODRIGO COPPE CALDEIRA é professor e historiador do Departamento de Ciências da Religião da PUC de Minas.

Um comentário:

  1. Muito bom artigo. Especialmente quando aponta que a renuncia do papa pouco tem a ver com ato revolucionário ou de dessacralização da instituição religiosa.
    Agora, quanto a apostar que o ato político de Bento XVI aponte para uma renovação da Igreja... Isto não.
    Bento XVI é um seguidor do governo de João Paulo II e, no meu entendimento, a consolidação conservadora.
    Renovar, jamais. Mas trazer a Igreja para o seu berço conservador. Equilibrar Vaticano II com Concílio de Trento.

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